Cultura

Descobrindo meus familiares artistas – Parte II

June 4, 2024

Conforme prometido no último post, compartilho aqui o resultado das minhas pesquisas sobre os parentes artistas dos quais a minha recém falecida avó falava. As primeiras informações que meu pai encontrou, foram sobre o Benjamin Barreto da Silva Araújo (irmão do meu bisavô), também conhecido como Maestro Benja. Ele foi um pianista e compositor nascido em 31/10/1902, em Nova Friburgo, Rio de Janeiro-RJ. Foi eleito como presidente do Clube do Choro de São Paulo desde sua fundação em 1977 até 1979, por ser uma uma figura respeitada pelos chorões e agregadora, segundo a historiadora do Clube, Miranda Bartira Tagliari Rodrigues Nunes de Sousa.

A música foi importante e constante em seu ambiente familiar, sendo tanto sua avó paterna, Gabriela de Sá da Silva Araújo, quanto a materna, Virgínia de Sá Barreto (1843-1928), pianistas de formação técnica e musical consistente, embora não profissionais. Sua mãe, Eurydice Barreto da Silva Araújo (1878-1930), além de pianista, estudou viola e tocou, na primeira década do século XX, na Orquestra de Câmera de Nova Friburgo, conduzida por seu irmão, o pianista e compositor Homero de Sá Barreto (1884-1924), tio e padrinho de Benjamim. Consta que o 1o quarteto de cordas de Heitor Villa-Lobos (1887-1959) foi estreado na residência do Maestro Homero de Sá Barreto em Nova Friburgo, e que este privava da amizade de vários artistas e intelectuais da época, dentre eles o próprio Villa-Lobos e Menotti Del Picchia (1892-1988).

A convivência com o tio compositor, bem como com os outros músicos da família, cedo despertaram no menino Benjamin o gosto pela criação e pela performance artística, sendo determinantes para o seu futuro direcionamento profissional, bem como o de seus irmãos Armando Silva Araújo (1905-1988) – pianista e compositor – e Aloísio Silva Araújo (1909-1974) – pianista, compositor e humorista.

O samba “Que é que é”, de autoria de Benjamin Barreto da Silva Araújo (sob pseudônimo de “Benar”), foi dos maiores sucessos de Araci Cortes (1904-1985), gravado em 1932 e relançado em 1995 pelo selo Revivendo. É possível ouvir esta e mais duas outras composições de Benjamin clicando aqui.

Sua mudança para a cidade de São Paulo, em 1942, proporcionou-lhe ingressar na Rádio Record, a princípio como pianista, mas tendo logo seus talentos de regente e arranjador reconhecidos. Em 1946, retornou ao Rio de Janeiro, atraído pelo ambiente musical efervescente, pela possibilidade de atuar como pianista, compositor e regente em várias companhias de teatro musical da cidade e, simultaneamente, de lecionar canto orfeônico no Instituto La-Fayette e de reger as orquestras da Rádio Mayrink Veiga e da TV Continental. A cidade de São Paulo viria a atraí-lo novamente em 1949, quando recebeu o convite para atuar como diretor musical do filme “Luar do Sertão” (1949), de Mário Civelli (1922-1993), e na capital paulista permaneceu, trabalhando com as orquestras da Rádio Bandeirantes e da TV Record de 1949 a 1965.

Em maio de 1977, o Clube do Choro de São Paulo foi fundado oficialmente e Benjamin foi eleito presidente em 15 de setembro de 1977. De acordo com o jornalista Oswaldo Luiz Vitta (conhecido como Colibri), Benjamin era “uma figura encantadora, maestro que tocou na Rádio Bandeirantes, dirigiu orquestras, pianista maravilhoso”. Ele foi eleito presidente “porque era respeitado, senhor, andava de boina e guarda-chuva, conhecia toda a história do choro e da música brasileira, simpático, agregador, não era vaidoso”.


No Primeiro Festival de Choro “Brasileirinho”, promovido pela Rede Bandeirantes de Televisão em 1977, Benjamin causou polêmica com seu “Choro Cromático”. A composição foi apresentada na segunda eliminatória do festival, interpretada pelo pianista Amilton Godoy, do Zimbo Trio. “Choro Cromático” era um choro composto a partir da escala cromática, isto é, a escala formada por intervalos de semitom e provocou polêmica porque fugia do espírito do choro tradicional. Ouça a composição de Benjamin clicando no vídeo abaixo.

A platéia se dividiu entre aqueles partidários do tradicionalismo, que apelidaram a música de Benjamin Silva Araújo de ‘Choro Cromado’, choro erudito e ‘Aí, Beethoven!’, e aqueles que preferiam o choro inovador, com a incorporação de elementos modernos. As vencedoras dos primeiros lugares do Festival Brasileirinho foram “Ansiedade”, de Rossini Ferreira e “Meu Pensamento”, de Jessé Lima, composições que não traziam grandes inovações na forma ou na melodia. No vídeo abaixo, é possível ouvir a voz do próprio Benjamin em 44:13 e logo em seguida ele toca a belíssima canção “Nostalgia”.

Benjamin estava com 74 anos quando assumiu a presidência do Clube do Choro de São Paulo, mas foi obrigado a se afastar quando sua saúde piorou. O Diário de Pernambuco de 15 de agosto de 1979 traz um pequeno depoimento dele e informa que o maestro passou uma temporada em Recife, seguindo conselhos médicos. Em meados de 1985, enfraquecido pela doença respiratória, foi levado para junto de seu irmão Armando, em Maricá – RJ, onde viveu por alguns meses sob os cuidados da família. Posteriormente, o compositor teve de ser transferido à casa do sobrinho Luiz Vieira Silva Araújo, no Rio de Janeiro, e tratado por enfermeiros em casa, até que o agravamento de sua doença exigiu tratamento hospitalar. Benjamin faleceu de insuficiência respiratória aguda no dia 03 de outubro de 1985.

Benjamin e meu bisavô Armando faleceram quando eu era criança e não os conheci pessoalmente. Queria muito ter encontrado mais fotos do Benjamin. Usei uma foto de minha autoria representando a música, já que não encontrei nenhuma outra foto dele com boa qualidade para abrir o post. Amei fazer essa pesquisa e descobrir todas essas informações. Talvez minha avó contava sobre esses parentes artistas por perceber a conexão forte que meu pai e eu temos com música, apesar de não tocarmos nada (até tentei aprender a tocar violão, mas desisti).

Fontes da pesquisa: Instituto Piano Brasileiro, Family Search, artigo do Professor Lenine Alves dos Santos, dissertação de Miranda Bartira Tagliari Rodrigues Nunes de Sousa e artigo da Professora Maria Alice Volpe. As demais fontes estão linkadas ao longo do post.

SANTOS, Lenine Alves dos. A canção de Benjamin Barreto da Silva Araújo: resgate da obra vocal de um compositor brasileiro. Campinas: FAPESP/UNICAMP, 2014. (Pesquisa de Pós-doutoramento).

SOUSA, Miranda Bartira Tagliari Rodrigues Nunes de. O Clube do Choro de São Paulo: arquivo e memória da música popular na década de 1970. Dissertação de Mestrado. São Paulo: UNESP, 1999.

VOLPE, Maria Alice. “Homero de Sá Barreto (1884-1924), compositor pós-romântico brasileiro”. Revista Brasileira de Música, Rio de Janeiro, v. 27, n.2, p. 347-354, jul./dez. 2014.

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2 Comments

  • Reply Claudia Hi July 14, 2024 at 9:33 pm

    Que incrível Alê! Deve ser muito legal saber que um familiar seu foi impactante na música brasileira. Acho que artista é artista, não importa o seu equipamento. E você com certeza herdou o olhar e delicadeza de um artista.

    • Reply Alê July 16, 2024 at 1:45 pm

      Claudia, me deu muito quentinho no coração descobrir todas essas informações sobre esses familiares que a minha avó contava e eu achava que era balela porque nem tinha internet na época. Poder confirmar que eles realmente tiveram um impacto na música brasileira foi de explodir a cabeça! Isso me faz acreditar que meu amor por arte vem de sangue. Muito obrigada por comentar! <3

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