Cultura, Viagens

Uma semana em Moscou – Museus

October 5, 2018

Comentei nesse post que Moscou não deixa nada a desejar quando se trata de museus e eu fiz questão de dar uma atenção especial para esse tema na hora de preparar meu roteiro. Sou rata de museus porque acredito que se aprende pra caramba numa simples visita. Esses são os posts que mais me dão trabalho de preparar e eu adoro escrever, mas são os que menos são lidos também. Esse é especialmente importante por conter informações muito relevantes para quem vai apertar o botãozinho da urna no próximo domingo porque aqui eu mostro o que a Rede Globo não mostra.

Como já tinha dito nesse post, o passado soviético é motivo de orgulho na Rússia e a conquista espacial é um dos destaques desses velhos tempos, então eu e marido fomos logo no primeiro dia visitar o Museu da Cosmonáutica. O museu é enorme (como tudo em Moscou), interessante, porém achei que deixa a desejar quanto às informações em inglês. Ele fica mais afastado do centro, mas vale a visita para quem se interessa pelo tema.

Deixei os museus de arte para eu visitar sozinha durante a semana, enquanto marido estivesse no curso, já que ele não fazia muita questão de ir a esses museus. Escolhi o Pushkin State Museum of Fine Arts porque tinha uma exposição dos impressionistas que muito me interessava. Como era dia de semana, não tinha tanta gente, então pude visitar com bastante calma, do jeito que eu gosto.

Não poderia faltar uma exposição de fotografia, então o MAMM (Multimedia Art Museum of Moscow) entrou no meu roteiro. Gostei muito desse museu que pra variar, é enorme. Passei umas horas lá vendo umas cinco exposições diferentes.

As fotos acima são da exposição do artista russo Pavel Pepperstein e faz parte de uma coleção de livros de viagem publicados pela Louis Vuitton. A exposição se chama “Contos de Praga” e o artista apresentava a poesia e o romantismo da cidade por meio do seu olhar. Um trabalho muito delicado de 70 ilustrações em aquarela combinadas com colagens. Eu ainda não estive em Praga, então foi uma experiência muito agradável viajar pelas ilustrações fofas dele. Adoro esse estilo de ilustrações simples e meio infantis.

Vi três exposições de fotografia nesse museu, mas só vou destacar duas aqui porque o post já está imenso. As fotos acima são da exposição “Encontros Selvagens” do fotógrafo escocês David Yarrow que eu ainda não conhecia. Aliás, não conhecia nenhum dos artistas que estavam nesse museu, então foi bem legal ter a oportunidade de conhecer novos trabalhos de artistas tão talentosos. Voltando ao trabalho do David Yarrow, ele faz aquelas fotos de vida selvagem de tirar o fôlego sabe? Por conta da técnica impecável, do timing, dos títulos das fotos que demonstram o bom humor do artista (a dos ursinhos se chamava “manhã de segunda-feira” haha) e das impressões enoooormes que eu já comentei aqui que eu AMO.

A foto acima fazia parte da exposição do fotógrafo japonês Masao Yamamoto e consistia em três séries de fotografias baseadas em poemas haiku e era acompanhada de textos com as reflexões, impressões e inspirações do artista a partir dos haikus e dos fenômenos da natureza. Tudo extremamente contemplativo, minimalista, filosófico e de muita leveza e delicadeza. Alguma dúvida de que entrei numa deliciosa viagem interna? Esse é aquele tipo de programa pra fazer sozinho mesmo ou com alguém que entre muito na viagem com você.

Não podia ir a Moscou sem visitar um museu de um escritor neh? A cidade tem museu de todos os escritores russos e escolhi visitar o prédio onde viveu Bulgákov porque esse ano eu tinha visitado a casa dele aqui em Kiev, li o livro dele, então fazia todo sentido visitar esse museu que além de tudo, fica na área da cidade que eu mais gostei.

A foto acima é das poltronas originais que aparecem na foto que está pendurada na parede, provavelmente feita nessa mesma sala. No apartamento nº 50, onde viveu Mikhail Bulgákov, viviam mais 17 pessoas que dividiam a mesma cozinha e o mesmo banheiro. Tente se imaginar vivendo com mais 17 pessoas desconhecidas embaixo do mesmo teto. Imaginou? Pois essa era a realidade dos muitos proletários que viviam nos apartamentos comunais durante o período soviético.

“Nunca tive problemas, mas sei de casos de pessoas que se detestavam tanto que jogavam coisas dentro da panela de comida que o vizinho havia deixado no fogo enquanto se ocupava de alguma tarefa no quarto”. Se você não conseguiu nem sequer imaginar como era viver assim, é porque você nunca viveu num regime comunista, apesar de um certo candidato e seus apoiadores insistirem na ideia de que o partido que representa os trabalhadores no Brasil é comunista. Me poupe neh! Nunca foi e nunca será. Na foto abaixo, a lista de residentes dos apartamentos do prédio onde hoje funciona o museu.

Na foto acima, o piano da família Bulgákov com a partitura da ópera “Fausto”, a preferida do escritor, exposta exatamente da mesma maneira que mostrei nesse post, onde relatei a visita que fiz ao Museu do Bulgákov em Kiev.

Um dos museus que eu estava ansiosíssima para visitar é o GULAG History Museum que descobri que existe graças ao post da Sandra sobre sua visita à Moscou. Muito obrigada, Sandra! Confesso que saí de lá bem surpresa com a qualidade e a quantidade de informações sobre o período mais obscuro da União Soviética e também pelo fato dele existir na capital da Rússia! Tinha até um vídeo do presidente russo assinando a permissão para criação desse museu. Ele foi fundado em 2001, mas a abertura aconteceu em 2004. Seu fundador é Anton Antonov-Ovseenko, um historiador e escritor que foi um dos prisioneiros do GULAG.

GULAG era um sistema de campos de trabalhos forçados da União Soviética e fez parte da máquina do estado soviético durante o período stalinista. O museu é dedicado à história da criação, desenvolvimento e declínio do GULAG. Antes de visitar esse museu, eu achava que o GULAG era apenas uma campo na Sibéria, porém era um sistema que possuía vários campos de trabalhos forçados espalhados pela União Soviética, inclusive alguns localizados na Ucrânia. Resumidamente, se o cidadão soviético fizesse ou dissesse qualquer coisa que fosse considerada contra o estado soviético, era enviado para o GULAG. Qualquer semelhança com uma ditadura, não é mera coincidência.

Fiz questão de fotografar o cartaz acima porque ele tem estreita relação com o fenômeno que vivemos hoje. Está escrito: “Nenhum ataque de inimigos vai parar a vitoriosa construção do socialismo no nosso país”. A primeira figura de cima para baixo representa a igreja. Se não me engano, a segunda é a aristocracia, a terceira figura segura uma bandeira onde está escrito “forverts” (um jornal do Partido Social Democrata da Alemanha), a quarta segura uma bandeira escrito “mensageiro dos mencheviques” e a última mãozinha segura uma bandeira escrito “falso”. Para quem acha que o fenômeno das fake news é novidade, está aí a prova de que essa técnica já era usada em 1930, ano desse cartaz. O pior é que essa tal técnica gera enormes estragos nos dias atuais, inclusive no Brasil. Não é mera coincidência, é um plano muito bem arquitetado, só não enxerga quem não quer.

Traduzi um dos textos disponíveis no museu para compartilhar aqui: “A tomada de controle dos bolcheviques causou mudanças radicais na produção russa de documentários cinematográficos. Enquanto o noticiário oficial pré-revolucionário era irrelevante politicamente e inútil para o entendimento e avaliação dos eventos atuais, os novos documentários soviéticos foram inteiramente dedicados ao objetivo de “re-educação revolucionária das massas”. Revistas de cinema em série (Cinema-week, Cinema-truth, Goskinokalendar, Sovkinozhurnal), noticiários, comentários de filmes industriais dos anos 20 e 30 documentavam todos os grandes eventos sociais, econômicos e políticos. Os documentários eram uma mídia eficiente de impacto ideológico nos telespectadores soviéticos sem sofisticação que frequentemente os aceitavam como verdade”. Apesar da União Soviética ter chegado ao fim, a propaganda continua até hoje e se espalha com mais rapidez graças à internet. Além disso, ultrapassa as fronteiras da Rússia e atinge outros países. #entendedoresentenderão

Para finalizar esse post de uma forma mais leve, fomos brincar um pouco no fliperama soviético ou Museum of Soviet Arcade Machines. Afinal, um certo escapismo é necessário para sobreviver nesse mundo, não é mesmo? Achei muito fofo que você recebe uma caixinha de fósforos com os kopekes para colocar nas máquinas e poder jogar. Não podia deixar de registrar o orelhão porque faço parte dessa geração pré-internet e pré-smartphone que ainda teve a oportunidade de escutar o som da ficha caindo. Meus cabelos brancos não mentem (não pintei antes de viajar porque estava com preguiça, lidem com isso).

Se você leu até aqui, parabéns! Espero que sua ficha tenha caído também e quem sabe até o final desse ano sai o último post sobre essa viagem a Moscou.

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  • Sandra October 7, 2018 at 1:38 pm

    Olá Alê! Fico muito contente que tenhas gostado do Museu do GULAG! É por isso que é importante partilharmos aquilo que aprendemos e que gostamos, seja através de blogues, seja através de uma simples conversa. Conforme já tinha dito aqui, voltarei a Moscovo daqui a cerca de 2 semanas, desta vez em trabalho mas no fim vou ficar mais 4 dias para poder rever esta maravilhosa cidade e visitar muitas das coisas que ficaram por ver da última vez. Assim, vou também aproveitar as preciosas dicas que tens deixado. Da última vez que lá estive não visitei alguns dos museus que aqui referenciaste mas o MAMM, a Casa de Bulgákov e o Museu da Cosmonáutica já vão para lista de locais a visitar! Obrigada!

    • Alessandra Araújo October 8, 2018 at 2:11 pm

      Exatamente, Sandra! Muito feliz com teu comentário. Dá um trabalho enorme, mas é uma maneira da gente solidificar tudo que aprendeu e ainda compartilhar o aprendizado com outras pessoas. A maioria das pessoas que visitam a capital ficam pouco tempo e acaba não tendo oportunidade de ver um monte de coisa legal. O GULAG Museum foi importantíssimo pra mim porque a gente aprende pouco sobre União Soviética no Brasil, até porque muitos fatos ficaram escondidos atrás da cortina de ferro neh? Muito obrigada mesmo por ter escrito teu post. Beijos.

  • Bárbara October 9, 2018 at 11:56 am

    Quanto museu bacana! O que mais me interessou foi o Gulag – quando fui pra Letônia fiz um tour num museu no qual a guia falou muito sobre o período da época comunista e quantos cidadãos daquele país foram mandados pra prisões na Sibéria e tal… de fato um período sombrio. Surreal ver pessoas associando partidos brasileiros a comunismo, acho que estamos urgentemente precisando ler mais livros de história. 🙁

    • Alessandra Araújo October 11, 2018 at 8:58 pm

      Por isso que é bom sair da bolha, ser humilde para reconhecer que a gente não sabe um monte de coisa sobre esse mundo. Sim, precisamos ler mais livros de história, de filosofia, de educação financeira, parar de ficar acreditando em tudo que lê no whatsapp…

  • Taís November 5, 2018 at 4:10 am

    Que post ótimo, Alê!
    Quando viajo sempre fico com aquele sentimento de que queria ter pelo menos um dia pra ”devorar” museus. Tem tanta coisa interessante pra se conhecer por aí.
    Fiquei com vontade de visitar todos, principalmente esse do Gulag e o fliperama sovietico!

    • Alessandra Araújo November 5, 2018 at 7:19 pm

      Obrigada, Taís! Olha, eu sou rata de museus e a gente aprende muita coisa numa visita dessas. O museu do GULAG é recomendadíssimo!

  • Tentando manter a sanidade mental – Um Novo Destino June 3, 2020 at 10:54 am

    […] veio a fatídica invasão em outubro de 2018, logo após eu postar sobre os museus que visitei em Moscou. Coincidência? Nunca saberei. Só sei que estava aquela loucura das eleições no Brasil e bots, […]