Cotidiano, Cultura, Kiev

Sexta-feira 13 no Cemitério

May 8, 2018

Na última sexta-feira 13, participei de um passeio guiado pelo Cemitério Baikove. Não acredito em superstições relacionadas a essa data e pra mim, o número 13 significa sorte, já que nasci no dia 13/06. Quem acompanha o blog já sabe que gosto de visitar cemitérios, então acordei cedo e bem disposta para passear entre túmulos e conhecer mais da história de Kiev. A primavera finalmente chegou e estava um lindo dia de sol. Eu já tinha visitado esse cemitério antes e tem até post aqui no blog, então sabia em que estação de metrô descer e como chegar lá.

O ponto de encontro era a igreja da foto abaixo que fica dentro do cemitério, mas eu não lembrava disso e a colega que organizou o passeio não avisou sobre esse detalhe, daí eu segui o google maps achando que a igreja ficava fora do cemitério, já que ele indicou um caminho que não tinha nada a ver e me fez perder uns 40 minutos do passeio… Não é a primeira vez que isso acontece, pois o google maps não lida bem com a Ucrânia e não dá para confiar nele 100%, especialmente para rotas a pé. Pra piorar, várias ruas de Kiev mudaram de nome, então você precisa ficar checando as coisas que existem por perto pra ter uma referência. No fim, usei a boa e velha ligação telefônica e consegui chegar ao local certo e ainda pegar bastante explicação durante o tour.

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Repare na cruz da religião cristã ortodoxa que é diferente da cruz da igreja católica. A guia explicou que aquele tracinho na parte de baixo representa o local onde ficaram os pés de Cristo ao ser crucificado. No cristianismo ortodoxo, Jesus teve um prego em cada pé, enquanto no catolicismo os dois pés foram pregados na cruz com o mesmo prego. Li também sobre um outro simbolismo relacionado ao peso dos crimes dos outros indivíduos que foram crucificados ao lado de Jesus, mas nem vou aprofundar a explicação pra não correr o risco de falar besteira. O cristianismo ortodoxo tem várias diferenças em relação ao catolicismo e mesmo que eu não seja uma pessoa religiosa, acabo conhecendo algumas e isso ajuda a entender alguns aspectos da cultura ucraniana. Essa cruz estava presente em vários túmulos, mas não consegui fazer uma foto que mostrasse bem esse detalhe.

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O túmulo acima é do historiador e líder político Mykhailo Hrushevsky. Ele foi eleito presidente do parlamento revolucionário em 1917 e defendia a independência da Ucrânia. Seu rosto estampa a nota de 50 grívnias. As notas ucranianas homenageiam seus principais heróis, todos figuras muito cultas e inteligentes. Não consegui encontrar informações sobre a bailarina da foto abaixo, mas segundo a guia ela era muito famosa e querida e morreu cedo. A estátua representa “A morte do cisne” (originalmente “O cisne”), balé que apresenta os últimos momentos da vida de um cisne e não tem nada a ver com “O lago dos cisnes” do Tchaikovsky. Achei bem poética a escolha de fazer uma estátua dela interpretando o último suspiro do cisne no local onde seu corpo repousa em paz.

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Abaixo, uma mesa e banquinhos que podem ser encontrados em meio aos túmulos. No cristianismo ortodoxo, é tradição limpar os túmulos, colocar flores e sentar-se à mesa para comer e beber junto ao falecido. Essa tradição é realizada umas 4 vezes por ano. Uma delas acontece 9 dias após a páscoa, numa terça-feira e o passeio aconteceu alguns dias antes dessa data. Como o cemitério fica muito cheio nesse dia, algumas pessoas vão antes para evitar a multidão. Por isso consegui encontrar uns pedacinhos de pão em um túmulo, mas da vodka só sobrou a etiquetinha da tampa mesmo hahahha. Achei bem interessante essa tradição, especialmente porque prova meu ponto de que não tem nada demais gostar de visitar cemitérios.

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A foto acima é mais uma tentativa frustrada de fotografar um esquilinho ucraniano. Eles sempre aparecem quando estou com uma lente fixa… O túmulo abaixo é imenso e um dos mais bonitos do cemitério. Ele é todo feito de mármore e claro que é de uma pessoa MUITO rica. A falecida era casada com um oligarca e ele mandou fazer esse túmulo belíssimo quando ela partiu. Percebi que todos os túmulos de pessoas importantes possuem esculturas e algumas delas remetem às profissões que essas pessoas tinham em vida.

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O túmulo acima ainda estava sem a cobertura. Segundo a guia, só é permitido colocar a lápide depois de um ano que a pessoa foi enterrada. Não entendi bem o motivo, mas com certeza tem alguma explicação que não seja “vai que a pessoa decide levantar da cova…”. Pode ser para dar tempo de juntar dinheiro para pagar a construção da lápide, já que a maioria das lápides dessa parte do cemitério eram feitas de materiais nobres e certamente paga-se um preço alto por isso. Enfim, se alguém souber o real motivo, por gentileza, deixe um comentário.

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O túmulo da foto acima é do cineasta Mykola Mashchenko ou  Nikolay Mashchenko, a versão russa do mesmo nome. Não consegui encontrar muita informação sobre ele, mas encontrei no YouTube seu último filme, sobre uma importante figura na história da Ucrânia, Bogdan-Zinoviy Khmelnitsky. Na foto abaixo, o túmulo de um estilista que eu achei bem interessante.

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Acima, o túmulo do compositor Igor Naumovich Shamo, autor da valsa de Kiev, “Kyieve Mii” ou “Minha Kiev”. Procurei a música depois que voltei do passeio e achei bem fofa. Você pode ouvir clicando aqui. Me conta nos comentários se o refrão ficou gravado na sua cabeça: yak tebe ne liubíti, Kíeve mí! (como não te amar, minha Kiev!).

O túmulo abaixo é do escritor Oles Honchara que lutou pelo restabelecimento da cultura ucraniana na sociedade soviética. Repare que a lápide tem o formato de um livro onde está escrito os anos de publicação de suas obras. Ele é considerado um herói ucraniano e a capital tem uma rua e um parque que levam seu nome.

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O túmulo acima é do pianista, compositor e maestro Mykola Lysenko. Ele coletou e arranjou inúmeras canções tradicionais da Ucrânia e suas composições fortemente influenciadas pela cultura ucraniana não eram bem aceitas pela Sociedade Musical do Império Russo que promoveu uma enorme presença da cultura russa na Ucrânia. Ele se recusava a compor e apresentar suas obras em língua russa, apoiou a revolução de 1905 e ficou preso por um curto período em 1907. Em seus últimos anos de vida, Lysenko arrecadou fundos para a abertura de uma Escola de Música Ucraniana. Ele foi contemporâneo de dois grandes poetas ucranianos, Taras Shevchenko e Lesya Ukrainka e ambos escreveram letras para algumas composições de Lysenko. Sua morte foi amplamente lamentada em todo o país.

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Finalizamos o passeio na região oeste do cemitério onde está localizado o crematório que foi construído no período soviético e as fotos acima são do local onde são depositadas as cinzas. A primeira é dos compartimentos vazios e a segunda é dos que estão ocupados e já com as placas com identificação dos falecidos.

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As fotos acima são das capelas que ficam numa parte alta do cemitério e a guia contou que se chama “entrada do paraíso”. Enquanto subíamos as escadas que dão acesso a essas capelas, tentei fazer uma foto inspirada em “Stairway to Heaven”, mas não consegui. De acordo com o site Socialist Modernism, esse conjunto de capelas é chamado de “Halls of Farewell”. Independentemente da tradução, acho essa arquitetura muito interessante e já tinha visto algumas fotos no instagram, mas não tinha noção do quanto essas construções são enormes. Na última foto tem uma senhora de casaco vermelho e você pode ter uma ideia da escala do prédio. É possível notar algumas pessoas em pé na entrada de uma das capelas, pois havia um funeral sendo realizado no momento que fiz a foto.

Espero que tenham gostado de conhecer um pouco mais da história da Ucrânia junto comigo. Deixe um comentário contando se gosta ou não de cemitério, o que achou desse cemitério ou das curiosidades sobre a cultura ucraniana. Estou preparando um outro post com outro passeio guiado que fiz antes desse, mas sei lá quando vou conseguir terminar. Não está fácil arrumar tempo para pesquisar e organizar todas as informações para colocar aqui e estou pensando seriamente em mudar os rumos desse blog e deixá-lo mais visual e menos textual. O que vocês acham?

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  • Ana Barros May 9, 2018 at 10:20 pm

    Que passeio muito louco esse ein? O que são essas fotos no caixão? Muito mórbidas e um pouco modernas. Eu piro demaissss nas suas fotos, você arrasa mulher. Não sabia que Kiev e google maps não combinam, mas ja anotei, uso o google maps para tudo quando estou viajando!! Imagina eu ficar perdida ai? ahahaha

    ps: adorei a arquitetura desse cemitério hahaha

    • Alessandra Araújo May 10, 2018 at 2:18 pm

      Oi Ana, seja bem vinda! Muito obrigada pelo elogio, fico lisonjeada! <3<3 O google maps funciona bem para a área mais central e turística, mas esse cemitério fica um pouco mais afastado. E se ficar perdida, não se preocupe que uma hora você se acha.Fico feliz que você tenha gostado da arquitetura do cemitério e obrigada por comentar!

  • Bia May 14, 2018 at 5:56 pm

    Que interessante esse passeio!! O mais incomum que eu achei foi os túmulos para cinzas, as pessoas não tem a tradição de jogar as cinzas em algum lugar?
    Sobre deixar seu blog mais visual, seria só para esses tipos de post? Eu gosto tanto de ler sobre as informações!!

    Bjão

    • Alessandra Araújo May 21, 2018 at 1:34 pm

      Oi Bia! Imagino que algumas pessoas devam jogar as cinzas em algum lugar, mas não lembrei de perguntar. Então, eu acho que as informações são super importantes, mas acabo demorando muito pra postar porque fico pesquisando e escrevendo os textos e revisando… Gostei de saber que você curte ler as informações. Beijos!

  • Márcia Cardoso May 22, 2018 at 8:43 pm

    Pra ser bem brasiliense: que massa, véi! Também gosto de passeios em cemitério. Gosto de saber a história, ler as inscrições das lápides, ver as datas… E continua com os textos sim! A contextualização que você faz é ótima e dá uma outra dimensão pras fotos. Beijão!

    • Alessandra Araújo May 24, 2018 at 12:55 pm

      hahahahaha time do cerrado na área! Beleza, continuarei com os textos e postando pouco mesmo. Beijos!

  • Registros Analógicos – Um Novo Destino October 8, 2018 at 2:00 pm

    […] ano, véspera da Páscoa, quando participei de um passeio guiado pelo cemitério e contei tudo nesse post. Das vantagens de ter um blog pra lembrar onde você fez as fotos analógicas depois de quase 2 […]